O Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC) promoveu neste mês de novembro
um seminário para discutir a política de cotas raciais. A ministra, Luiza
Barrios, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir),
foi convidada a fazer uma palestra de 30 minutos, seguida de debate com os
demais membros da mesa: a procuradora do Distrito Federal e mestre em direito
pela UnB, Roberta Fragoso; o antropólogo e pós-doutorando da Faperj no Programa
de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais da UFRJ, Fabiano Dias Monteiro, e o professor titular do
departamento de sociologia da USP, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães. O
presidente Fernando Henrique abriu os trabalhos e fechou o seminário.
Infelizmente não estive presente, por motivos alheios à minha vontade.
A imprensa e diversos meios eletrônicos noticiaram o evento e meu relato se
baseia nas notícias por eles veiculadas. O seminário se concentrou nos debates
sobre as estratégias de enfrentamento do racismo e em como resolver a questão da
“raça” como fator decisivo nas políticas públicas.
A ministra Luiza Barrios expressou a posição da Seppir sobre a importância
das ações afirmativas com base na raça não só no ensino superior, mas também no
mercado de trabalho.
A procuradora Roberta Fragoso fez um discurso emocionado contra as políticas
com base na “raça” que dividirão a nação em brancos e negros alertando para o
fato de o Estado não poder obrigar ninguém a se classificar por uma ou outra
categoria, por ser uma questão de foro íntimo.
O sociólogo Antonio Sérgio Alfredo Guimarães reafirmou que apesar de a
categoria “raça” não ter a menor validade científica, é frequentemente acionada
em termos ideológicos e políticos, dando origem à discriminação e à desigualdade
e, por isto, deve ser vista como categoria sociológica.
O antropólogo Fabiano Dias Monteiro afirmou que a política de cotas ainda
está sendo testada e é cedo para dizer se produzirá ou não a cisão racial.
Segundo Fabiano, sendo o objetivo destas políticas a produção da categoria
jurídica do “negro”, uma das consequências já palpáveis é a diminuição da
criminalização do racismo em nome do combate ao “racismo estrutural”. Muitos
programas de combate ao racismo foram extintos, como o Disque Racismo do Rio de
Janeiro. Este é o argumento central da sua tese de doutorado que em breve sairá
em livro.
O presidente Fernando Henrique afirmou acreditar ser difícil aplicar tais
políticas de cotas por sermos um país em que ninguém sabe direito de que cor ou
raça é. Disse que acha inadmissível a existência de tribunais raciais.
Concordo com o presidente. Os tribunais raciais são inaceitáveis porque são
constitutivos desta política e não de sua má aplicação. Embora, até hoje, na
maioria das leis promulgadas, a cor ou a “raça” sejam definidas por
autoclassificação, em todas elas, o cidadão deve se autodeclarar “negro” ou
“índio”, sob as penas da lei. Ou seja, o Estado pode julgar se houve má-fé,
mentira, e pode punir. O Estado é o detentor da verdade sobre a autodefinição
de cor ou “raça”. Ao contrário dos levantamentos censitários em que o indivíduo,
embora obrigado a se definir de acordo com os cinco quesitos de cor: branco,
preto, pardo, amarelo e indígena (não existem as opções – não quis responder ou
não sabe), não está sujeito às penas da lei caso se declare preto sem o ser.
Isto não acontece no que se refere às leis de cotas raciais ou àquelas
emanadas do legislativo – no estatuto da igualdade racial, nos concursos
públicos em alguns estados, e para o acesso ao ensino superior em outros – onde
há reservas de vagas para negros e índios. Nestas, fica-se sujeito a um
julgamento. Ao se classificar para um concurso, um indivíduo de pele clara, que
tenha uma avó um bisavô negros, ao se declarar negro poderá ter sua “confissão”
posta em questão e ainda ser levado às barras do tribunal.
Os tribunais raciais, como a violência física contra as mulheres, não são um
epifenômeno, são, de fato, intrínsecos às relações estruturais, às políticas com
base na “raça” e às relações de poder entre homens e mulheres. Se o movimento
feminista obteve enorme sucesso em convencer muita gente, inclusive
legisladores, de que a violência contra a mulher é inadmissível, o mesmo parece
não estar ocorrendo em relação aos tribunais raciais que se multiplicam.
Dizer-se contra os tribunais raciais é dizer-se contra as políticas baseadas
na “raça”, pois um e outro são constitutivos do mesmo sistema, sistema que
pressupõe que os cidadãos precisam ser divididos, legalmente, em “raças” para
fazer jus a direitos universais.
Fonte: http://g1.globo.com/platb/yvonnemaggie
Ainda é um assunto muito amplo, tem suas boas intenções, porém como quase tudo no Brasil a falta de fiscalização e enquadramento mais rigoroso compromete totalmente o projeto!
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