De olho em 2012: Biodesign
Por Alysson Muotri
Nesta época, as revistas científicas, jornais e meios de
comunicação procuram sempre fazer retrospectivas dos assuntos mais interessantes
do ano que passou.
Outros veículos aproveitam para prever áreas que podem ter um impacto maior
no ano que vem. Enfim, para fugir um pouco desse paradigma, decidi escrever algo
diferente. Procurei unir as duas coisas, passado e futuro, juntando ciência e
arte em conceitos que acredito que venham fazer parte do nosso dia a dia em
breve. Veja se você concorda.
Decidi focar no biodesign. O conceito de design biológico não é novo, mas
sinto que no Brasil poucos profissionais da ciência estão familiarizados com
essa ideia. Acredito que nosso país tem um potencial enorme para explorar esse
tipo de interface entre arte e ciência.
O biodesign não usa apenas plásticos, vidros e madeira como matéria-prima,
mas sim coisas vivas, como organismos e células. As implicações dos projetos vão
além da equação forma-função ou do conceito de modernidade, conforto e progresso
que prevê o design clássico.
O biodesign transcende essa tradição e provoca curiosidade, uma ótima forma
de difusão científica. Em geral, os profissionais, na maioria biólogos,
incorporam seres vivos em seus projetos, procurando usufruir dos ciclos
biológicos de cada espécie. Obviamente, como acontece em diversas disciplinas,
algumas ideias são boas e podem ser aplicadas na prática – outras nem tanto.
Um bom exemplo de aplicação prática é o trabalho de Susana Soares (foto
acima), que treinou abelhas a reconhecer sinais químicos expelidos na nossa
expiração. Ela conseguiu combinar o extraordinário poder olfativo das abelhas,
capazes de detectar concentrações ínfimas de hormônios e toxinas, com o reflexo
pavloviano.
O resultado são abelhas que servem como ferramentas de diagnóstico para
doenças do coração e testes de gravidez, por exemplo. E basta um assopro. A
ferramenta está sendo aplicada em estudos sobre a malária, na tentativa de
descobrir por que algumas pessoas são mais atraentes que outras aos
mosquitos.
Outro exemplo vem do trabalho de Revital Cohen, redirecionando
cães de corrida aposentados para ajudar pessoas com dificuldades de respiração
ou problema renais (foto ao lado).
Esse sistema híbrido funciona de forma holística e simbiótica e independe de
eletricidade. Projetos como esse fazem pensar em milhares de outras situações em
que poderíamos usar o próprio desperdício humano para gerar algo produtivo.
Estimo que cerca de dois bilhões de pessoas no mundo gastem pelo menos 1 minuto
por dia jogando paciência ou cultivando seu FarmVille. Esse tempo poderia ser
aproveitado para alguma coisa mais proveitoso.
No caso dos micro-organismos, ressalto o trabalho de Alexandra Ginsberg, que
se aproveita da engenharia genética e da biologia sintética para criar bactérias
que fabriquem pigmentos. Esses seres redesenhados, inofensivos ao homem, estão
sendo amplificados para produzir material para impressoras e outros tipos de
tintas.
Outro projeto dela, intitulado Estética Sintética, incorpora bactérias
re-engenheiradas como ferramentas de diagnóstico. O sistema, batizado de E.
chromi, funciona da seguinte forma: o paciente ingere um líquido (como um
milk-shake probiótico) contendo bactérias que reagem com enzimas e outros
agentes químicos, mudando de cor.
As diferentes colorações representam nutrientes presentes no
organismo e podem ser visualizados nas fezes. Basta uma olhadinha após um
“número dois” para saber se está tudo em ordem.
Obviamente que Alexandra também pensou numa forma de calibrar as cores,
montando um “escatálogo” com modelos que simulam diversos tipos de fezes, como
na foto ao lado.
A aplicação desse sistema para indivíduos debilitados por alguma condição é o
próximo passo. Recentemente, descobri como é difícil para os pais de uma criança
autista (e provavelmente para pacientes com outros problemas) manter a higiene
bucal do filho. O sistema E. chromi poderia ser aplicado em autistas,
por exemplo, como marcador da qualidade das bactérias presentes na dentição. As
saudáveis ficariam coloridas, e as demais, pretas (foto abaixo). Isso poderia
servir como um guia durante a escovação.
Com os avanços da genômica e da engenharia de tecidos, acredito
que o biodesign será imprescindível no futuro. De olho nesse mercado, algumas
universidades americanas e europeias já criaram cursos de graduação
especializados nessa abordagem.
Os profissionais ainda são encarados de forma suspeita pela academia
tradicional, mas penso que seja uma questão de tempo para que a situação se
inverta. Sabendo da capacidade e da criatividade dos cientistas/artistas
brasileiros, proponho a fundação da Escola Brasileira de Interação
Ciência-Design, com disciplinas abrangendo biologia molecular, células-tronco,
história da arte, propaganda e marketing, e por aí vai. Viajei?
Fonte: G1
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