Por: Paulo Moreira Leite
Fabricante de próteses mamárias PIP, aquelas que deram problemas em muitas mulheres, causando rupturas e vazamentos, gerando infecções variadas e até são suspeitas de favorecer o aparecimento de câncer, o empresário francês Jean-Claude Mas confessou a polícia no ano passado, quando foi preso, que alterou a composição do produto porque pretendia diminuir os custos e “aumentar sensivelmente a rentabilidade da empresa.”
Publicado nos grandes jornais do planeta, o depoimento de Jean-Claude Mas causa indignação de mulheres do mundo inteiro, inclusive no Brasil, que hoje enfrentam o drama de ter feito uma cirurgia com material nocivo à sua saúde. Não foi um simples erro médico. Foi ganância – este elemento irracional que está presente em tantos momentos graves da existência huamana.
A explicação do empresário pode ser muito útil para o debate que travamos na semana passada aqui no blog a respeito do mercado e do necessário papel regulador do Estado.
A história humana mostra que a economia de mercado foi capaz de gerar o mais prolongado período de crescimento e produção de riqueza de qualquer época. O desenvolvimento atual da China, que não é uma economia de mercado, mas abre espaço para seu funcionamento, mantido sob um controle rígido, ditatorial, é a demonstração mais recente disso. Mas a historia humana também mostra que, entregue a si mesmo, sem controle nem regras de funcionamento, o mercado é capaz de cometer abusos, de tomar decisões irracionais e destruir riquezas em vez de produzí-las.
Os derivativos, que estão no centro da crise mundial que explodiu em 2008 e até hoje ameaça o conjunto da economia mundial, só se tornaram possíveis no momento em que o governo Bill Clinton seguiu a política republicana e promoveu a desregulamentação do mercado financeiro. Rompeu-se, então, uma regra de ouro formulada depois da crise de 1929, que separava os bancos comerciais dos bancos de investimento, e que ajudou a manter a saúde do mercado financeiro por décadas.
Não custa lembrar que, mesmo depois de jogar o mundo no precipício, os executivos desse mercado seguiram autopremiando-se com bônus milionários. Enquanto uma parcela crescente de cidadãos perdeu emprego, cancelou planos de futuro e até comprometeu a educação dos filhos, eles utilizavam recursos retirados do bolso do cidadão comum para seguir elevando o patrimônio pessoal.
Uma das grandes contribuições para este debate ocorreu na década de 1960, quando o advogado Ralf Nader passou a bater às portas da Justiça americana para defender os direitos do consumidor. Nader não tinha uma ONG que pretendia criar SACs nas grandes empresas. Agia com independência, investigava de verdade e pressionava.
Chegou a levar ao banco dos réus uma equipe de engenheiros da General Motors que havia produzido um modelo, Corvair, que fazia um grande sucesso pelo design, mas tinha um defeito de projeto facilitava a ocorrência de acidentes fatais. Num tribunal, um engenheiro da empresa admitiu que o carro seguiu sendo fabricado mesmo depois que se identificou esse problema, pois ninguém queria prejudicar as vendas.
Ao contrário do que sugere uma visão utópica e boazinha do mercado, muitas empresas e corporações são capazes de agir por conta própria, em nome de seus interesses, e realizar iniciativas que podem prejudicar o conjunto da sociedade sem enxergar nada de errado nisso. De certa forma, a vocação da economia do mercado é romper qualquer controle e seguir crescendo enquanto puder,como puder.
Quando o Estado é frágil, elas tem recursos para fazer dele uma agência de seus interesses. O investimento de 1 trilhão de dólares da guerra do Iraque envolve uma decisão política do governo George W. Bush. Mas é uma ingenuidade que beira a desonestidade fingir que esta aventura militar não foi estimulada nem patrocinada por interesses privados poderosos que se movem em torno da máquina de guerra americana.
Esta é a discussão. O resto é ilusão.
Fonte: Revista Época online
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