terça-feira, 27 de novembro de 2012

FATORES RELACIONADOS À CIRURGIA CARDÍACA QUE INTERFEREM NA FUNÇÃO RESPIRATÓRIA


Circulação extracorpórea



Apesar de ser uma ferramenta clínica muito útil, a CEC apresenta algumas limitações fisiológicas, riscos e efeitos potencialmente deletérios. Muitas vezes, ela é combinada com hipotermia sistêmica, que permite um período transitório, curto e seguro, de perfusão com baixo fluxo, para melhorar a visibilidade ou, para oferecer um período breve de parada circulatória segura, se necessário.

Os componentes básicos da CEC incluem um reservatório venoso que oferece a sifonagem adequada do sangue pela gravidade, o armazenamento do volume e o escape de bolhas de ar retornando com o sangue venoso. Outro componente é o oxigenador, que oferece oxigênio ao sangue e permite a eliminação do dióxido de carbono. Um trocador de calor eficiente é utilizado para controlar a temperatura do perfusato e para obter o resfriamento e o aquecimento sistêmicos durante a CEC. A bomba arterial pode ser do tipo rolete (fluxo contínuo, não pulsátil, trabalha de maneira semi-oclusiva para evitar traumatismo em demasia dos elementos figurados do sangue) ou do tipo centrífuga (fluxo contínuo, menos traumatismos, no entanto, não se pode calcular o débito cardíaco por rotações por minuto, sendo necessário um medidor que oferece um risco de oclusão total da linha arterial).

Denomina-se perfusato todo o diluente usado no preenchimento do circuito de CEC, para que não permaneça qualquer porção de ar no sistema. Sua composição é de uma solução salina balanceada e pode variar por conta da adição ou não de sangue, concentrado de hemácias, albumina, plasma humano, entre outros, devendo ter pH próximo ao normal e concentração iônica semelhante à do plasma.

Durante a CEC deve-se observar o valor de hematócrito durante as variações térmicas de hipotermia e posteriormente de reaquecimento, que terá como conseqüentes variações da concentração de oxigênio e conseqüente viscosidade e velocidade do fluxo sanguíneo. Já a concentração de albumina no volume circulante, bem como a concentração de hemoglobina é alterada pela hemodiluição. Entretanto, durante a CEC, a permeabilidade capilar às macromoléculas está aumentada e parte da albumina administrada no perfusato pode migrar para o espaço extravascular.

Durante a CEC, variáveis fisiológicas como fluxo sangüíneo sistêmico ou débito cardíaco, pressão venosa sistêmica, pressões intracavitárias cardíacas, hematócrito e composição química do perfusato inicial, temperatura do perfusato e do paciente, estão diretamente sob controle externo.

A resistência vascular sistêmica, consumo total de oxigênio, mistura ou shunt arteriovenoso, pH e acidemia láctica, fluxo sangüíneo regional e função orgânica regional são controlados, em parte, externamente, mas em grande parte controlada pelo paciente. A anticoagulação se faz necessária devido a grande exposição do sangue em superfícies não endoteliais e ao ar ambiente.

O oxigenador é a parte do sistema responsável pelas trocas gasosas e pelas reações desencadeadas pelo organismo. A troca ocorre diretamente através de uma interface sangue-gás nos chamados oxigenadores de bolha. Nos oxigenadores de membrana, onde essa troca ocorre de maneira mais fisiológica e menos traumática, é através de membranas semipermeáveis em forma de fibras ocas com microporos.

A pressão de oxigênio é mantida em torno de 300mmHg com os oxigenadores e considerada ideal. Acima deste valor poderia ocorrer embolia aérea e o contrário, hipóxia tecidual e acidemia. Há uma relação entre a temperatura do paciente e o consumo total de oxigênio, onde uma redução de temperatura do paciente reduz o consumo de oxigênio e aumenta a pressão parcial de oxigênio. A pressão do dióxido de carbono arterial é controlável durante o desvio cardiopulmonar, variando de acordo com fluxo de gás e de sangue no oxigenador.

Resposta inflamatória

            Quando o fluxo sangüíneo é desviado temporariamente para o sistema de CEC, a maioria, se não todos os processos fisiológicos do organismo são afetados. No momento em que o sangue passa a circular em contato com superfícies não endotelizadas, ou seja, superfícies estranhas, componentes da resposta inflamatória, humorais e celulares, são ativadas agudamente e, provavelmente, a resposta imunológica específica mais lenta também. A resposta endócrina-metabólica também ocorre de maneira mais acentuada.

A resposta inflamatória desencadeada pela CEC é um fenômeno complexo e corresponde a vários processos iniciados com a resposta humoral, através da ativação de algumas proteínas plasmáticas. Parte da cascata de coagulação, sistema complemento, sistema calicreína-bradicinina e sistema fibrinolítico são ativados apesar do emprego da heparinização e, o evento inicial de todos os processos, parece ser a ativação do fator XII (fator Hageman).

Os leucócitos polimorfonucleares são os grandes representantes da resposta celular. Os neutrófilos e outros mediadores migram em direção às áreas de maior concentração de complemento e durante a CEC migram para o sangue, secretando citocinas, incluindo radicais livres.  Durante a CEC as plaquetas também são ativadas, provavelmente, pela sua exposição e de numerosos receptores de membrana às superfícies não endoteliais. A ativação da cascata do complemento pode ser desencadeada somente pelo contato do sangue com superfícies estranhas e seus efeitos adversos estão relacionados, em parte, a depleção de seus componentes necessários à resposta imunológica normal e aos efeitos adversos da produção intravascular da produção intravascular de anafilatoxinas.

O sequestro pulmonar de leucócitos polimorfonucleares e neutropenia tem sido demonstrado durante a hemodiálise e a CEC. Essas alterações são funcionalmente significativas e decorre do aumento da diferença alvéolo-arterial de oxigênio. Tem sido demonstrado que a ativação do complemento está diretamente envolvida com a produção de edema pulmonar. Essas alterações sugerem que a lesão endotelial é mediada pelo neutrófilos, e aumentam a permeabilidade vascular pulmonar.

A reperfusão dos pulmões e coração também apresenta um aspecto delicado. Estudos sobre as conseqüências da reperfusão no miocárdio introduziram o conceito de lesão por reperfusão. Isto ocorre porque, se de um lado a reperfusão restabelece a oxigenação do miocárdio, causa também uma reação inflamatória local intensa que provoca dano do miocárdio. O ponto de partida para o estabelecimento do dano é o endotélio microvascular. A cascata das citocinas que media esta reação inicia-se com a ativação do complemento e liberação de TNF, degranulação de mastócitos e liberação de histamina, que induzem a expressão de proteínas da família das selectinas, que atraem leucócitos. A partir daí, leucócitos migram para a região. Os leucócitos assim aderidos além de destruir os miócitos cardíacos, também destroem a matriz celular e estruturas de outras células.

As complicações pulmonares são causas importantes de morbidade e mortalidade nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, com circulação extracorpórea (CEC). Um grande número de mediadores produzido durante a CEC pode causar diminuição da contratilidade ventricular, aumento da permeabilidade vascular e alteração da resistência vascular em vários órgãos. Na circulação pulmonar há aumento da água extravascular com preenchimento alveolar por células inflamatórias que levam à inativação do surfactante pulmonar e colabamento de algumas áreas, com modificação na relação ventilação/ perfusão pulmonar, diminuição de sua complacência e aumento do trabalho respiratório no período pós-operatório. O grau de alteração funcional pulmonar depende de vários fatores, como a função pulmonar pré-operatória, o tipo de cirurgia, o tempo de circulação extracorpórea, a intensidade da manipulação cirúrgica, o número de drenos pleurais colocados e o tempo de cirurgia.


Anestesia

A indução anestésica tem, primariamente, o propósito terapêutico de causar o alívio da dor e os relacionados objetivos terapêuticos de inconsciência, amnésia e controle da musculatura esquelética e em segundo lugar o de manter o fornecimento do sistema de transporte de oxigênio. Em contrapartida, a anestesia oferece condições adversas que prejudicam não só a respiração como a circulação.

As alterações na função cardiovascular durante a anestesia podem ser devidas a fatores diretos e indiretos de substâncias anestésicas sobre o coração. Os agentes anestésicos por ação direta no miocárdio podem levar a depressão cardíaca e conseqüente diminuição da contratibilidade e Indiretamente levando a alterações da ventilação, resultando em hipóxia e hipercapnia.

Todos os anestésicos gerais são capazes de produzir depressão da função respiratória com conseqüente hipoxemia e hipercapnia. Durante a anestesia ocorre diminuição da capacidade residual funcional (CRF). A explicação primária para esse fato é a redução no tônus do diafragma que acarreta um deslocamento cefálico deste músculo, em decorrência do peso das vísceras abdominais, precipitando perda de volume pulmonar. O deslocamento cefálico do diafragma ocorre com ou sem paralisia muscular, com o uso de ventilação controlada mecânica ou respiração espontânea. A redução da CRF, que acontece após indução anestésica, propicia diminuição da complacência pulmonar e aumento da resistência vascular pulmonar. Os pulmões, o diafragma e a parede torácica funcionam como uma unidade integrada. Alterações nas características físicas destas estruturas são largamente responsáveis pelo prejuízo na relação ventilação-perfusão (V/Q) e pelo decréscimo na eficiência das trocas gasosas, resultando num gradiente alvéolo-arterial de oxigênio P(A-a) O2 aumentado.

A vasoconstrição pulmonar hipóxia, que ocorre em pacientes com doença pulmonar prévia, determina o ajuste local na resistência vascular pulmonar necessário para manter o equilíbrio na relação ventilação-perfusão. Durante a anestesia este equilíbrio pode ser rompido ou pelo menos prejudicado por agentes inalatórios em concentrações altas.



Esternotomia

A esternotomia mediana é o acesso mais utilizado para as operações cardiovasculares e, com o advento da revascularização miocárdica em 1967, tornou-se um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados em todo o mundo. Na cirurgia cardiovascular, este acesso foi introduzido em 1957, substituindo a toracotomia anterior bilateral, beneficiando um grande número de pacientes da época, por reduzir o tempo de cirurgia, fornecer excelente exposição do coração e diminuir o trauma respiratório tornando-se o acesso de eleição até o os dias de hoje.

No entanto, 0.2 a 5% dos pacientes submetidos a acesso transesternal em cirurgia cardíaca apresentam infecções mediastinal, sendo está uma grave complicação infecciosa do pós-operatório de cirurgias abordando o coração e os grandes vasos da base. Os riscos de mediastinite aumentam com a presença de algumas afecções pré-existentes ou procedimentos associados, como: desnutrição, diabetes mellitus, revascularização do miocárdio utilizando-se as duas artérias mamárias internas, o uso abusivo de eletrocautério; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), uso de corticoterapia prévia, cirurgia prolongada, tabagismo, longo período de internação hospitalar, ventilação mecânica por mais de 72 horas, internação prévia por mais de 72 horas de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), entre outros.

Devido às complicações decorrentes a mediastinite pós-operatória (instabilidade esternal, insuficiência respiratória, sepse, entre outras), tem-se indicado procedimentos cirúrgicos menos invasivos à abordagem mediastinal, utilizando-se minitoracotomias com ou sem o auxílio de videotoracoscopia. Com a mini-esternotomia, há diminuição da agressão cirúrgica e pode-se manter o plano operatório sem aumentar o grau de dificuldade para o cirurgião e com segurança para os pacientes. A mini-esternotomia, como a toracotomia ântero-lateral, é opção segura. Com a mini-esternotomia, soma-se às facilidades de um acesso mediano com, as vantagens de uma operação menos invasiva.

A esternotomia parcial conserva a estabilidade da caixa torácica em duas porções: na porção superior, através do manúbrio esternal articulado com a clavícula e a primeira costela, e da sua porção inferior, na articulação entre a quinta e sexta costelas e o corpo esternal. Devido à restrição imposta pelas áreas mantidas fixas, o acesso impede uma abertura exagerada do afastador de tórax, diminuindo a dor. Com isto, tem-se um melhor desempenho respiratório no pós-operatório imediato, facilitando a extubação e a deambulação e permitindo uma alta precoce com segurança.


Dreno


Dreno torácico

A maior parte dos procedimentos cirúrgicos cardíacos envolve a abertura da cavidade pleural esquerda, que necessita posteriormente de ser drenada. Essa pleurotomia, associada à presença do dreno pleural, contribui para maior desconforto ao paciente, funcionando como um fator adicional de deteriorização da mecânica respiratória.

A inserção do dreno pleural intercostal adiciona trauma ao tórax, tornando necessário perfurar músculos intercostais e aa pleura parietal, interferindo nos movimentos respiratórios. Conseqüentemente, a localização do dreno pleural poderia ter influência no desconforto do paciente e no grau de alterações da função pulmonar.

A hipoxemia arterial ocorre, normalmente, após cirurgia de revascularização do miocárdio e persiste até algumas semanas. Alguns autores têm demonstrado maior queda da PaO2 com uso da artéria mamária interna esquerda secundário ao efeito da pleurotomia com drenagem pleural. Comentam ainda, que a recuperação é mais lenta devido à presença do dreno de tórax, ou seja, ao traumatismo adicional imposto à parede torácica.

A alta sensibilidade da pleura e a fricção produzida durante o movimento respiratório provocam sofrimento ao paciente, por irritação constante dos nervos intercostais e do periósteo. Em contrapartida, o paciente defende-se com a imobilização do tórax e movimentos respiratórios superficiais, ficando restrita a respiração profunda até a retirada do dreno.

Como resultado final, com a inserção de um dreno entre os espaços intercostais intensifica-se a diminuição da capacidade residual funcional, CVF e VFE1. Essas alterações, associadas à diminuição da complacência pulmonar, aumentam o trabalho respiratório. Neste caso, para haver menor gasto de energia, o volume corrente diminui, levando os alvéolos ao progressivo colapso, resultando em shunt com conseqüente hipoxemia.

Evitar a secção dos espaços intercostais na inserção do dreno pleural seria a melhor conduta. Com o acesso subxifóide, evitando os espaços intercostais, diminuiria a dor, evitaria maiores prejuízos à função pulmonar e o paciente teria melhor condição de cooperar com o importante papel do fisioterapeuta no pós-operatório.  

Dreno mediastinal

Os drenos mediastinais são introduzidos como rotina no pós-operatório cardíaco para auxiliar a retirada do sangue do espaço pericárdico e para evitar o tamponamento cardíaco, ou seja, acúmulo de sangue ou líquido que comprime o coração e reduz a saída cardíaca. Esta é uma das principais causas de morte no pós-operatório.

O sistema de drenagem da caixa do mediastinal usa a sucção pelo selo d’água e da pressão negativa para aumentar o processo da drenagem. Além da drenagem contínua os tubos podem ser manipulados para acelerar a drenagem do líquido. A manipulação dos tubos da caixa pode causar a dor e o desconforto para pacientes cardíacos alterando, conseqüentemente, a função pulmonar, pela diminuição das incursões respiratórias e volume pulmonar. Os danos que resultam da manipulação do tubo necessitam serem balançados para impedir, que a formação de coágulos no tubo possa interferir com o processo da drenagem.








Referências Bibliográficas :


SCHWAN, M.T; DALVIN, R. P., DUARTE, H. Alterações da função pulmonar e atuação fisioterapêutica em pós-operatório de cirurgia cardíaca: Revisão bibliográfica.

BARBOSA, G.A.R., CARMONA, C.J.M. Avaliação da função pulmonar em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea. Revista Brasileira Anestesiologia, v. 52, n. 6, Campinas Nov./Dez. 2002.

FERNANDES, R. C., NETO, P. R. P. O sistema respiratório e o idoso. Revista Brasileira de Anestesiologia, v. 52, n. 4, Fortaleza Jul/Agost. 2002.

GUIZILINI, SOLANGE ET AL. Efeitos do local de inserção do dreno pleural na função pulmonar no pós-operatório de cirurgia de revascularização do miocárdio. Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular,  v. 19,  n. 1, São José do Rio Preto jan/ mar 2004.

PORTO, C.C.- Doenças do coração – Prevenção e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara, pp. 1022-1026, 1998.
VIEIRA, ORLANDO MARQUES. Clínica Cirúrgica. 2. ed. São Paulo: Atheneu, pp. 807-815; 961-963, 2000.

3 comentários:

  1. Parabéns Cassio... Texto muito bom de se ler convidativo para um bom aprendizado!!!

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Professora Anairtes, fico muito contente com o seu comentário.

    ResponderExcluir
  3. Olá Cassio. Gostei muito do texto. Sou estudante de Fisioterapia UNISC - RS, teria como vc me enviar? marcosmassagista2011@hotmail.com

    ResponderExcluir

É muito bom receber a visita de vocês aqui no blog, um prazer imenso receber seus comentários e interagir com você, sinta-se a vontade em comentar!