Apesar de ser uma ferramenta clínica muito útil, a
CEC apresenta algumas limitações fisiológicas, riscos e efeitos potencialmente
deletérios. Muitas vezes, ela é combinada com hipotermia sistêmica, que permite
um período transitório, curto e seguro, de perfusão com baixo fluxo, para
melhorar a visibilidade ou, para oferecer um período breve de parada
circulatória segura, se necessário.
Os componentes básicos da CEC incluem um
reservatório venoso que oferece a sifonagem adequada do sangue pela gravidade,
o armazenamento do volume e o escape de bolhas de ar retornando com o sangue
venoso. Outro componente é o oxigenador, que oferece oxigênio ao sangue e
permite a eliminação do dióxido de carbono. Um trocador de calor eficiente é
utilizado para controlar a temperatura do perfusato e para obter o resfriamento
e o aquecimento sistêmicos durante a CEC. A bomba arterial pode ser do tipo
rolete (fluxo contínuo, não pulsátil, trabalha de maneira semi-oclusiva para
evitar traumatismo em demasia dos elementos figurados do sangue) ou do tipo
centrífuga (fluxo contínuo, menos traumatismos, no entanto, não se pode
calcular o débito cardíaco por rotações por minuto, sendo necessário um medidor
que oferece um risco de oclusão total da linha arterial).
Denomina-se perfusato todo o diluente usado no
preenchimento do circuito de CEC, para que não permaneça qualquer porção de ar
no sistema. Sua composição é de uma solução salina balanceada e pode variar por
conta da adição ou não de sangue, concentrado de hemácias, albumina, plasma
humano, entre outros, devendo ter pH próximo ao normal e concentração iônica
semelhante à do plasma.
Durante a CEC deve-se observar o valor de
hematócrito durante as variações térmicas de hipotermia e posteriormente de
reaquecimento, que terá como conseqüentes variações da concentração de oxigênio
e conseqüente viscosidade e velocidade do fluxo sanguíneo. Já a concentração de
albumina no volume circulante, bem como a concentração de hemoglobina é
alterada pela hemodiluição. Entretanto, durante a CEC, a permeabilidade capilar
às macromoléculas está aumentada e parte da albumina administrada no perfusato
pode migrar para o espaço extravascular.
Durante a CEC,
variáveis fisiológicas como fluxo sangüíneo sistêmico ou débito cardíaco,
pressão venosa sistêmica, pressões intracavitárias cardíacas, hematócrito e
composição química do perfusato inicial, temperatura do perfusato e do paciente,
estão diretamente sob controle externo.
A resistência vascular sistêmica, consumo total de
oxigênio, mistura ou shunt arteriovenoso, pH e acidemia láctica, fluxo
sangüíneo regional e função orgânica regional são controlados, em parte,
externamente, mas em grande parte controlada pelo paciente. A anticoagulação se
faz necessária devido a grande exposição do sangue em superfícies não
endoteliais e ao ar ambiente.
O oxigenador é a parte do sistema responsável pelas
trocas gasosas e pelas reações desencadeadas pelo organismo. A troca ocorre
diretamente através de uma interface sangue-gás nos chamados oxigenadores de
bolha. Nos oxigenadores de membrana, onde essa troca ocorre de maneira mais
fisiológica e menos traumática, é através de membranas semipermeáveis em forma
de fibras ocas com microporos.
A pressão de oxigênio é mantida em torno de 300mmHg
com os oxigenadores e considerada ideal. Acima deste valor poderia ocorrer
embolia aérea e o contrário, hipóxia tecidual e acidemia. Há uma relação entre
a temperatura do paciente e o consumo total de oxigênio, onde uma redução de
temperatura do paciente reduz o consumo de oxigênio e aumenta a pressão parcial
de oxigênio. A pressão do dióxido de carbono arterial é controlável durante o
desvio cardiopulmonar, variando de acordo com fluxo de gás e de sangue no
oxigenador.
Resposta inflamatória
Quando o fluxo sangüíneo é desviado
temporariamente para o sistema de CEC, a maioria, se não todos os processos
fisiológicos do organismo são afetados. No momento em que o sangue passa a
circular em contato com superfícies não endotelizadas, ou seja, superfícies
estranhas, componentes da resposta inflamatória, humorais e celulares, são
ativadas agudamente e, provavelmente, a resposta imunológica específica mais
lenta também. A resposta endócrina-metabólica também ocorre de maneira mais
acentuada.
A resposta inflamatória desencadeada pela CEC é um
fenômeno complexo e corresponde a vários processos iniciados com a resposta
humoral, através da ativação de algumas proteínas plasmáticas. Parte da cascata
de coagulação, sistema complemento, sistema calicreína-bradicinina e sistema
fibrinolítico são ativados apesar do emprego da heparinização e, o evento
inicial de todos os processos, parece ser a ativação do fator XII (fator
Hageman).
Os leucócitos polimorfonucleares são os grandes
representantes da resposta celular. Os neutrófilos e outros mediadores migram
em direção às áreas de maior concentração de complemento e durante a CEC migram
para o sangue, secretando citocinas, incluindo radicais livres. Durante
a CEC as plaquetas também são ativadas, provavelmente, pela sua exposição e de
numerosos receptores de membrana às superfícies não endoteliais. A ativação da
cascata do complemento pode ser desencadeada somente pelo contato do sangue com
superfícies estranhas e seus efeitos adversos estão relacionados, em parte, a
depleção de seus componentes necessários à resposta imunológica normal e aos
efeitos adversos da produção intravascular da produção intravascular de
anafilatoxinas.
O sequestro pulmonar de leucócitos polimorfonucleares
e neutropenia tem sido demonstrado durante a hemodiálise e a CEC. Essas
alterações são funcionalmente significativas e decorre do aumento da diferença
alvéolo-arterial de oxigênio. Tem sido demonstrado que a ativação do
complemento está diretamente envolvida com a produção de edema pulmonar. Essas
alterações sugerem que a lesão endotelial é mediada pelo neutrófilos, e
aumentam a permeabilidade vascular pulmonar.
A reperfusão dos pulmões e coração também apresenta
um aspecto delicado. Estudos sobre as conseqüências da reperfusão no miocárdio
introduziram o conceito de lesão por reperfusão. Isto ocorre porque, se de um
lado a reperfusão restabelece a oxigenação do miocárdio, causa também uma
reação inflamatória local intensa que provoca dano do miocárdio. O ponto de
partida para o estabelecimento do dano é o endotélio microvascular. A cascata
das citocinas que media esta reação inicia-se com a ativação do complemento e
liberação de TNF, degranulação de mastócitos e liberação de histamina, que
induzem a expressão de proteínas da família das selectinas, que atraem
leucócitos. A partir daí, leucócitos migram para a região. Os leucócitos assim
aderidos além de destruir os miócitos cardíacos, também destroem a matriz
celular e estruturas de outras células.
As complicações pulmonares são causas importantes
de morbidade e mortalidade nos pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, com
circulação extracorpórea (CEC). Um grande número de mediadores produzido
durante a CEC pode causar diminuição da contratilidade ventricular, aumento da
permeabilidade vascular e alteração da resistência vascular em vários órgãos.
Na circulação pulmonar há aumento da água extravascular com preenchimento
alveolar por células inflamatórias que levam à inativação do surfactante
pulmonar e colabamento de algumas áreas, com modificação na relação ventilação/
perfusão pulmonar, diminuição de sua complacência e aumento do trabalho
respiratório no período pós-operatório. O grau de alteração funcional pulmonar
depende de vários fatores, como a função pulmonar pré-operatória, o tipo de
cirurgia, o tempo de circulação extracorpórea, a intensidade da manipulação
cirúrgica, o número de drenos pleurais colocados e o tempo de cirurgia.
Anestesia
A indução anestésica tem, primariamente, o
propósito terapêutico de causar o alívio da dor e os relacionados objetivos
terapêuticos de inconsciência, amnésia e controle da musculatura esquelética e
em segundo lugar o de manter o fornecimento do sistema de transporte de
oxigênio. Em contrapartida, a anestesia oferece condições adversas que
prejudicam não só a respiração como a circulação.
As alterações na função cardiovascular durante a
anestesia podem ser devidas a fatores diretos e indiretos de substâncias
anestésicas sobre o coração. Os agentes anestésicos por ação direta no
miocárdio podem levar a depressão cardíaca e conseqüente diminuição da
contratibilidade e Indiretamente levando a alterações da ventilação, resultando
em hipóxia e hipercapnia.
Todos os anestésicos gerais são capazes de produzir
depressão da função respiratória com conseqüente hipoxemia e hipercapnia.
Durante a anestesia ocorre diminuição da capacidade residual funcional (CRF). A
explicação primária para esse fato é a redução no tônus do diafragma que acarreta
um deslocamento cefálico deste músculo, em decorrência do peso das vísceras
abdominais, precipitando perda de volume pulmonar. O deslocamento cefálico do
diafragma ocorre com ou sem paralisia muscular, com o uso de ventilação
controlada mecânica ou respiração espontânea. A redução da CRF, que acontece
após indução anestésica, propicia diminuição da complacência pulmonar e aumento
da resistência vascular pulmonar. Os pulmões, o diafragma e a parede torácica
funcionam como uma unidade integrada. Alterações nas características físicas
destas estruturas são largamente responsáveis pelo prejuízo na relação
ventilação-perfusão (V/Q) e pelo decréscimo na eficiência das trocas gasosas,
resultando num gradiente alvéolo-arterial de oxigênio P(A-a) O2 aumentado.
A vasoconstrição pulmonar hipóxia, que ocorre em
pacientes com doença pulmonar prévia, determina o ajuste local na resistência
vascular pulmonar necessário para manter o equilíbrio na relação
ventilação-perfusão. Durante a anestesia este equilíbrio pode ser rompido ou
pelo menos prejudicado por agentes inalatórios em concentrações altas.
Esternotomia
A esternotomia mediana é o acesso mais utilizado
para as operações cardiovasculares e, com o advento da revascularização
miocárdica em 1967, tornou-se um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados
em todo o mundo. Na cirurgia cardiovascular, este acesso foi introduzido em
1957, substituindo a toracotomia anterior bilateral, beneficiando um grande
número de pacientes da época, por reduzir o tempo de cirurgia, fornecer
excelente exposição do coração e diminuir o trauma respiratório tornando-se o
acesso de eleição até o os dias de hoje.
No entanto, 0.2 a 5% dos pacientes submetidos a
acesso transesternal em cirurgia cardíaca apresentam infecções mediastinal,
sendo está uma grave complicação infecciosa do pós-operatório de cirurgias
abordando o coração e os grandes vasos da base. Os riscos de mediastinite
aumentam com a presença de algumas afecções pré-existentes ou procedimentos
associados, como: desnutrição, diabetes mellitus, revascularização do miocárdio
utilizando-se as duas artérias mamárias internas, o uso abusivo de
eletrocautério; doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), uso de
corticoterapia prévia, cirurgia prolongada, tabagismo, longo período de
internação hospitalar, ventilação mecânica por mais de 72 horas, internação
prévia por mais de 72 horas de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), entre
outros.
Devido às complicações decorrentes a mediastinite
pós-operatória (instabilidade esternal, insuficiência respiratória, sepse,
entre outras), tem-se indicado procedimentos cirúrgicos menos invasivos à
abordagem mediastinal, utilizando-se minitoracotomias com ou sem o auxílio de
videotoracoscopia. Com a mini-esternotomia, há diminuição da agressão cirúrgica
e pode-se manter o plano operatório sem aumentar o grau de dificuldade para o
cirurgião e com segurança para os pacientes. A mini-esternotomia, como a
toracotomia ântero-lateral, é opção segura. Com a mini-esternotomia, soma-se às
facilidades de um acesso mediano com, as vantagens de uma operação menos
invasiva.
A esternotomia parcial conserva a estabilidade da
caixa torácica em duas porções: na porção superior, através do manúbrio
esternal articulado com a clavícula e a primeira costela, e da sua porção
inferior, na articulação entre a quinta e sexta costelas e o corpo esternal.
Devido à restrição imposta pelas áreas mantidas fixas, o acesso impede uma
abertura exagerada do afastador de tórax, diminuindo a dor. Com isto, tem-se um
melhor desempenho respiratório no pós-operatório imediato, facilitando a
extubação e a deambulação e permitindo uma alta precoce com segurança.
Dreno
Dreno torácico
A maior parte dos procedimentos cirúrgicos
cardíacos envolve a abertura da cavidade pleural esquerda, que necessita
posteriormente de ser drenada. Essa pleurotomia, associada à presença do dreno
pleural, contribui para maior desconforto ao paciente, funcionando como um
fator adicional de deteriorização da mecânica respiratória.
A inserção do dreno pleural intercostal adiciona
trauma ao tórax, tornando necessário perfurar músculos intercostais e aa pleura
parietal, interferindo nos movimentos respiratórios. Conseqüentemente, a
localização do dreno pleural poderia ter influência no desconforto do paciente
e no grau de alterações da função pulmonar.
A hipoxemia arterial ocorre, normalmente, após
cirurgia de revascularização do miocárdio e persiste até algumas semanas.
Alguns autores têm demonstrado maior queda da PaO2 com uso da artéria mamária
interna esquerda secundário ao efeito da pleurotomia com drenagem pleural.
Comentam ainda, que a recuperação é mais lenta devido à presença do dreno de
tórax, ou seja, ao traumatismo adicional imposto à parede torácica.
A alta sensibilidade da pleura e a fricção
produzida durante o movimento respiratório provocam sofrimento ao paciente, por
irritação constante dos nervos intercostais e do periósteo. Em contrapartida, o
paciente defende-se com a imobilização do tórax e movimentos respiratórios
superficiais, ficando restrita a respiração profunda até a retirada do dreno.
Como resultado final, com a inserção de um dreno
entre os espaços intercostais intensifica-se a diminuição da capacidade
residual funcional, CVF e VFE1. Essas alterações, associadas à diminuição da
complacência pulmonar, aumentam o trabalho respiratório. Neste caso, para haver
menor gasto de energia, o volume corrente diminui, levando os alvéolos ao
progressivo colapso, resultando em shunt com conseqüente hipoxemia.
Evitar a secção dos espaços intercostais na
inserção do dreno pleural seria a melhor conduta. Com o acesso subxifóide,
evitando os espaços intercostais, diminuiria a dor, evitaria maiores prejuízos
à função pulmonar e o paciente teria melhor condição de cooperar com o
importante papel do fisioterapeuta no pós-operatório.
Dreno mediastinal
Os drenos mediastinais são introduzidos como rotina
no pós-operatório cardíaco para auxiliar a retirada do sangue do espaço
pericárdico e para evitar o tamponamento cardíaco, ou seja, acúmulo de sangue
ou líquido que comprime o coração e reduz a saída cardíaca. Esta é uma das
principais causas de morte no pós-operatório.
O sistema de drenagem da caixa do mediastinal usa a
sucção pelo selo d’água e da pressão negativa para aumentar o processo da
drenagem. Além da drenagem contínua os tubos podem ser manipulados para
acelerar a drenagem do líquido. A manipulação dos tubos da caixa pode causar a
dor e o desconforto para pacientes cardíacos alterando, conseqüentemente, a
função pulmonar, pela diminuição das incursões respiratórias e volume pulmonar.
Os danos que resultam da manipulação do tubo necessitam serem balançados para
impedir, que a formação de coágulos no tubo possa interferir com o processo da
drenagem.
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